segunda-feira, 30 de maio de 2016

Uma vida inteira (EFA 16)


REPORTAGEM
Aumento da esperança média de vida
Década após década, a esperança média de vida em Portugal e no resto do mundo tem vindo a aumentar. Em 1960 a esperança média de vida em Portugal estava pelos 62 anos, em 2012 já se encontrava nos 80 anos, uma diferença de 18 anos que se deve a muitos fatores. Um aumento contínuo da esperança média de vida explicado pela melhoria nos serviços hospitalares e de saúde, por melhores hábitos alimentares, por uma maior atenção aos cuidados de higiene, outras condições de segurança no trabalho, sem esquecer as habitações com diversas infraestruturas.
Tudo isto se deve também a uma enorme vontade por parte das pessoas (especialmente idosos) que fazem muitas das vezes planos diários para prevenirem doenças, praticando mais exercício físico dentro das suas próprias limitações.

Rosa, António e Joaquim. Para além de se conhecerem e de pertencerem à mesma família, partilham de algo em comum. Uma já vasta experiência de vida que mais ninguém possui na família, mas agora, as coisas são diferentes. As pressões sociais e os compromissos laborais fizeram da sociedade uma autêntica corrida em busca do sucesso pessoal e profissional. Uma sociedade moderna que só há pouco tempo conheceu a 3ª idade, mas que talvez ainda não tenha aprendido a viver com ela.
Fomos ao encontro de Rosa, António e Joaquim que nos falaram um pouco sobre as suas vidas, como é vivido o seu dia-a-dia atualmente e as diferenças entre o antigamente e a atualidade.
Joaquim
“Ao contrário de Hoje que é tudo fácil”
Joaquim, um homem marcado pelas dificuldades sociais e económicas próprias da época, recorda com alguma saudade a sua juventude.

«Antigamente, não era nada assim. Quando andava na escola, tinha que fazer vários quilómetros a pé. Ainda me lembro de fazer o percurso que ligava o vale da vinha até à Ferraria, descalço! Eram outros tempos, não era nada como é agora, ou pensas o quê? Tu, agora tens dois ou três pares de calçado. Mas na minha altura, ter algo para calçar já era bom. Por andar descalço, fui picado por um lacrau duas vezes. As dores eram horríveis, mas lá me aguentei, também de qualquer modo o hospital mais perto era em Ponte de Sor, que ainda ficava um pouco longe, era um bocado complicado ir ao hospital ao contrário de hoje, que é tudo fácil. Quando eu e a minha mulher nos casamos, foi uma grande festa lá na nossa terra, no Alentejo. Com o casamento, recebemos dos nossos padrinhos mais ou menos uma quantia de cem escudos, uma quantia já considerável para a altura e depois tivemos direito a uma lua-de-mel, fomos até Setúbal. Recordo com alguma saudade tudo isso, mas não sei se voltava atrás. Tudo o que eu e a minha esposa construímos e vivemos é insubstituível.
Se acho que a vida hoje é melhor? Sem dúvida que a vida hoje é melhor, porém depende muito de alguns aspetos. Antigamente, trabalhávamos muitas horas e o trabalho era mais duro, porque não havia tantas máquinas para nos ajudarem, mas apesar de tudo as pessoas eram mais unidas do que hoje, fazíamos dos nossos dias de trabalho uma romaria até aos campos de arroz, havia alegria e a mocidade parecia mais descontraída, ao contrário do que hoje acontece. Estão sempre com pressa para ir para o emprego e com receio de que as coisas corram mal.»
António
“Fui um bom marido, nunca bati na minha esposa”
Ao contrário de Joaquim que nos falou das dificuldades do trabalho e dos acessos aos hospitais, António recorda as diferenças existentes no matrimónio, na época em que se casou.

«Fui um bom marido, nunca bati na minha esposa, que faleceu há quatro anos atrás. Conheci muitos homens que baterem nas suas mulheres. Fui guarda-republicano, e na GNR tinha vários colegas que tratavam mal as suas mulheres. Antes de me casar com a Maria da Graça, ela própria me fez assinar um acordo em que nunca a poderia obrigar a trabalhar e também nunca a poderia tratar mal. Na altura era algo comum os homens terem algum poder sobre as suas esposas, poder esse que em muitas situações era confundido com o poder de usar a força ou a violência nas palavras. O homem era o chefe da família, hoje já não é bem assim».
Rosa
«A minha querida mãe morreu enquanto me amamentava, sentada numa cadeira, tinha 22 anos. Mais tarde disseram-me que foi qualquer coisa parecida com um AVC, mas que não tinham bem a certeza. Já passaram muitos anos. Apesar de não ter crescido com ela, tenho muitas saudades, parece que ela esteve sempre aqui, ou como se tivesse vivido sempre com ela.
Trabalhei muito, desde pequena. Trabalhava no campo desde o amanhecer até ao final do dia e não importava se era ainda nova para trabalhar. O meu pai era um bocado rígido, uma pessoa um pouco fria, talvez devido ao facto de ser guarda de uma herdade muito grande pertencente a famílias muito ricas e importantes do Alentejo. Mas penso que não era por o meu pai ser uma pessoa rígida que eu já trabalhava, na altura era mesmo assim, começávamos a trabalhar desde cedo. Ao contrário de ti, que és preguiçoso e ao fim de semana dormes quase até ao meio dia. O meu pai era também uma pessoa um pouco diferente das outras, eu não sei bem, mas acho que chamam a isso contrabando e ele era contrabandista. A primeira televisão que existiu ali na zona foi o meu pai que a foi buscar a Espanha através do contrabando. Ele viajava várias vezes, atravessava a fronteira sem ninguém saber. A minha madrasta costumava dizer para os nossos mais chegados que se demorasse mais do quatro ou cinco dias é porque tinha sido apanhado pelos guardas ou então por lá tinha morrido. Houve uma vez que demorou duas semanas, já todos esperávamos o pior, mas lá apareceu e foi dessa vez que trouxe a televisão. Na altura não conhecia ninguém que tivesse uma televisão, era diferente de hoje que se for preciso existe uma televisão em cada quarto. O meu pai era também proprietário de um café lá na aldeia e quando trouxe a televisão, acreditas que faziam autênticas romarias vindas de aldeias próximas até ao café do meu pai só para ver a televisão, aquilo é que era uma festa! O meu pai só ligava a televisão uma ou duas ou vezes por dia, quando dava o noticiário e depois desligava, acho que não dava mais nada também. Na altura do Natal, as pessoas que andavam a combater no ultramar, emitiam um comunicado via televisão para as famílias em Portugal, e o comunicado começava a passar um mês antes do Natal chegar, dava todos os Domingos se a memória não me falha, aquilo é que era fazer excursões de todas as aldeias até ao café do meu pai para verem o familiar aparecer na televisão! Se ele não aparecesse, era porque possivelmente tinha morrido por lá».
Pinturas de Daniel Barreiros. Gosta de pintar rostos de pessoas idosas, pois acredita que têm algo mais para nos contar. (As pinturas estão protegidas por direitos de autor).
«Sempre gostei de trabalhar e desenvolver o retrato. Principalmente, pessoas mais velhas. Acredito que escondem algo no olhar, que elas próprias não querem ou não sabem como contar. Pessoas nas faixas etárias mais avançadas possuem quase todas, esse olhar único, um olhar que só de observarmos, nos proporciona uma história psicológica que nos entra e contagia, se tivermos a mínima paciência para a observar e entender claro.

Em Portugal é bastante fácil encontrar idosos com esse olhar. Aliás, Portugal é um país antigo e de antigos. O avanço da medicina, a prestação de apoios à 3ª idade, a alimentação, a facilidade em obter informações, tudo isso contribuiu para o aumento da esperança média de vida, mas a 3ª idade requer atenção, uma atenção que por vezes é escassa. O idoso quer e necessita de atenção e esse é o grande problema do quotidiano da 3ª idade em Portugal, ou não.


 Autores: Daniel Barreiros, José Santinha, Jéssica Rodrigues, Carolina Silva

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