terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Textos autobiográficos

Narciso (1594-1596), por Caravaggio
Afinal o que faz correr a pena autobiográfica? Por outras palavras, o que justifica a vaga intimista dos nossos dias - que prolonga, dilatando-a, uma tradição confessional vinda de longe?   
A época contemporânea trouxe transformações sociais de vária ordem, que tornaram ainda mais premente a necessidade de cada um afirmar a sua presença irrepetível no mundo.
Há algum tempo, num programa de rádio, um jovem entrevistado respondia à pergunta: "Porque escreve?" da seguinte forma: "Para dizer: aqui estou eu." 
O homem dos nossos dias é, paradoxalmente, um cidadão enquadrado numa sociedade que aperfeiçoou mecanismos para o proteger (segurança social, assistência, etc.) e um ser "desamparado", a quem faltam (...) "lugar, grupo, deus ou tribo com quem se identificar e através dos quais se realizar". 
A escrita do eu pode assim ser encarada como uma forma de salvação individual num mundo que começa a descrer de sucessivos modelos ideológicos de salvação coletiva. E para muitos a vivência da intimidade é uma garantia de autenticidade num tempo em que a vida pública se tornou numa espécie de "teatro do mundo".
Clara Rocha, Máscaras de Narciso, Almedina

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